25 de abril: depois de um dia de Anzac, os portugueses anoitecem com a Revolução dos Cravos

48 anos consecutivos de celebrações do dia da Revolução dos Cravos, e os portugueses regressam às ruas com a mesma força e sempre aos milhares.

48 anos consecutivos de celebrações do dia da Revolução dos Cravos, e os portugueses regressam às ruas com a mesma força e sempre aos milhares. Source: Marcos Borga/Revista Visão

Os portugueses celebram o Anzac Day na Austrália mas anoitecem para a comemoração do 48º aniversário da Revolução de 25 de Abril, também conhecida como Revolução dos Cravos ou Revolução de Abril. Uma data histórica de Portugal que, à semelhança do Anzac Day na Austrália, também homenageia a coragem (no caso de Portugal, coragem política) das forças militares, num evento que também é assinalado com um dos mais importantes feriados nacionais. Cá, usámos uma papoila à lapela. Em Portugal, sai-se às ruas de cravo na mão.


A Revolução de 25 de Abril, também conhecida como Revolução dos Cravos ou Revolução de Abril, refere-se a um marco da história de Portugal consequente do movimento político e social, ocorrido no dia 25 de abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente de 1933 a 1974.

A Revolução dos Cravos iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático e com a entrada em vigor da nova Constituição a 25 de abril de 1976, marcada por forte orientação socialista.


Esta ação foi liderada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), composto na sua maioria por capitães, apelidados até hoje de ´Capitães de Abril`, que tinham participado na Guerra Colonial e que tiveram o apoio de oficiais milicianos.
Um dos mais reconhecidos ´Capitães de Abril´ - Capitão Salgueiro Maia
Um dos mais reconhecidos ´Capitães de Abril´ - Capitão Salgueiro Maia Source: Imagem de cortesia do Museu Nacional da Resistência e Liberdade
Este movimento surgiu por volta de 1973, baseando-se inicialmente em reivindicações corporativistas como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabando por atingir e acabar com o regime político ditatorial de inspiração fascista, em vigor na época, apelidado de Estado Novo.

Neste regime, o país esteve anos a fio nas mãos de António de Oliveira Salazar, do seu partido político único, "União Nacional", e da sua polícia política, PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) – formada com base na instrução da Gestapo e da CIA, e que tinha como objetivo principal censurar e controlar tanto a oposição como a opinião pública em Portugal e nas colónias. Mais tarde, depois de Salazar se reformar, subiria ao poder Marcello Caetano.
Peniche, 1965: antigo posto da PIDE
Peniche, 1965: antigo posto da PIDE Source: Imagem de cortesia do Museu Nacional da Resistência e Liberdade
Como é que foi que tudo aconteceu na Revolução de 25 de Abril

No dia anterior:

Comandados por Otelo Saraiva de Carvalho, um grupo de militares instalou secretamente o posto de comando do movimento golpista no quartel da Pontinha, em Lisboa, no dia 24 de Abril de 1974.

Às 22h55m ouviu-se a canção E depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, pelos Emissores Associados de Lisboa, emitida por João Paulo Diniz – música que para sempre é ouvida como um dos hinos da revolução.

A transmissão da canção era já um dos sinais previamente combinados pelos golpistas, que desencadearia umas horas mais tarde a tomada de posições da primeira fase do golpe de estado.

A revolução viria então a arrancar vinte minutos depois da meia-noite:

O segundo sinal do golpe de estado chegou às 00h20m, 20 minutos adentro do dia 25 de Abril, quando a canção Grândola, Vila Morena de Zeca Afonso foi transmitida pelo programa Limite, da Rádio Renascença, que confirmou o golpe e marcou o início das operações. Neste dia, o programa estava a cargo do poeta e jornalista moçambicano, Leite de Vasconcelos.
Março de 1974: Zeca Afonso (sentado no chão em primeiro plano) e a resistência portuguesa
Março de 1974: Zeca Afonso (sentado no chão em primeiro plano) e a resistência portuguesa Source: Imagem de cortesia do Museu Nacional da Resistência e Liberdade
Esta canção de Zeca Afonso foi perseguida e proibida pela PIDE pois, segundo o governo, reportava ao comunismo, daí ter sido a canção emblemática que oleou o ´motor de arranque´ da revolução.

As forças militares que ajudaram ao golpe:

O golpe militar do dia 25 de abril teve a colaboração de vários regimentos militares que desenvolveram uma ação concertada.
Forças militares organizaram a Revolução dos Cravos, para grande entusiasmo e gratidão do povo português
Forças militares organizaram a Revolução dos Cravos, para grande entusiasmo e gratidão do povo português Source: Fotografia publicada na GQ Portugal
A Norte do país, o Tenente-Coronel Carlos de Azeredo e os seus homens, que contaram também com a ajuda de militares vindos de Lamego, tomaram o Quartel-General da Região Militar do Porto.

Forças do BC9 de Viana do Castelo asseguraram o aeroporto de Pedras Rubras. Enquanto militares do CIOE tomaram os canais de informação da RTP e do RCP no Porto.
O governo reagiu assim que pôde, e o ministro da Defesa mandou que os militares de Braga avançassem para o Porto. Mas esta ordem é refutada de imediato já que os militares daqui já todos estavam comprometidos com a revolução.

Em Lisboa, coube à Escola Prática de Cavalaria, vinda de Santarém, a ocupação do Terreiro do Paço, pela mão do Capitão Salgueiro Maia. O Terreiro do Paço foi então ocupado às primeiras horas da manhã.
Rendição do governo

Daí, Salgueiro Maia encaminhou mais homens para o Quartel do Carmo onde, então, se reuniu com o chefe do governo, Marcello Caetano, que acabou (ao fim do dia) por, finalmente, render-se.
Povo comemora com os militares a rendição do governo ditatorial como consequência da Revolução dos Cravos
Povo comemora com os militares, em euforia partilhada, a rendição do governo ditatorial como consequência da Revolução dos Cravos. Source: Imagem publicada na revista GQ Portugal
Na sequência desta derrota do governo, Marcello Caetano refugiou-se na Madeira, e daí viajou para o Brasil, em busca de exílio.
26 de abril de 1974: presos políticos pela PIDE aguardam a sua libertação com as famílias acompanhadas pelas forças militares
26 de abril de 1974: presos políticos pela PIDE aguardam a sua libertação com as famílias e forças militares à porta da cadeia de Peniche. Source: Imagem de cortesia do Museu Nacional da Resistência e Liberdade
O rescaldo da revolução

Com poucos militares em campo e com o povo português a sair para as ruas numa adesão brutal ao movimento, a reação do governo acabou por ser inexpressiva e, seguramente, ineficaz.

Por esse motivo, a violência nas ruas acabou por ser mínima tendo em conta a dimensão da operação.  No rescaldo do golpe de estado, morreram quatro civis e quarenta e cinco ficaram feridos em Lisboa, atingidos pelas balas da DGS.

O sucesso do movimento 

O movimento da revolução confiou, então, a direção do país à Junta de Salvação Nacional, por uns tempos, até que, a 15 de maio de 1974, o General António de Spínola foi nomeado Presidente da República.

A tudo isto, seguiu-se um período natural de adaptação à liberdade de pensamento, comunicação e ação. Foi um período da história de Portugal conhecido como PREC (Processo Revolucionário em Curso), o qual conduziu a uma profunda agitação militar, política, social, artística e intelectual.

Dois anos depois da revolução, a conjuntura política foi considerada mais estabilizada, e já estavam em curso os trabalhos da Assembleia Constituinte com vista à nova constituição democrática, que acabou por entrar em vigor no dia 25 de abril de 1976, aquando das primeiras eleições legislativas da nova República.

Logo a seguir, foi instituído o feriado nacional do dia 25 de abril, denominado como "Dia da Liberdade" que hoje já faz 48 anos e que vai ser assinalado de manhã na Assembleia da República, com uma sessão solene, já sem restrições devido à covid-19; e de tarde o parlamento abrirá as portas ao público.

As comemorações do 25 de Abril de 2022

Pela primeira vez desde o início da pandemia, a Revolução dos Cravos vai ser assinalada sem número limitado de presentes e também sem uso obrigatório de máscara no parlamento – regra que deixou de vigorar no país na passada sexta-feira, 22 de Abril.
As festividades serão assinaladas com o tradicional desfile pela Avenida da Liberdade, em Lisboa, promovido por mais de 40 organizações da sociedade civil, partidárias e sindicais, entre as quais a Associação 25 de Abril, PCP, PS, BE, PEV, CGTP e UGT e respetivas estruturas de juventude e os partidos Livre e Movimento Alternativo Socialista (MAS).
Este ano, também será transmitida, pelas 18:00, a canção de Zeca Afonso, "Grândola, Vila Morena", seguida do hino nacional. E o apelo foi lançado, para aqueles que o consigam fazer, que cantem às janelas e varandas as duas músicas simbólicas da revolução.
Este é um ano especial para se celebrar o 25 de Abril português, já que a data chega num momento de desalento e desespero, um pouco por toda a Europa, ao qual Portugal não é imune.

O 48º ano do 25 de Abril faz mais sentido do que nunca face à guerra na Ucrânia, e ao dia seguinte à reeleição de Emmanuel Macron, centrista liberal, como Presidente de França, na segunda volta das presidenciais francesas, contra Marine Le Pen, da extrema-direita.

Em Portugal, hoje, tal como na Austrália do Anzac Day, agradece-se às forças militares, lembra-se quem sofreu e ainda sofre, apela-se à paz e grita-se “Viva à Liberdade”.

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