O jornalista brasileiro, Felippe Canale, saiu vitorioso de uma ação judicial contra um bar em Melbourne onde foi vítima de homofobia.
A decisão foi anunciada depois de quase um ano após o episódio ter acontecido.
Em outubro de 2019, Felippe Canale foi vítima de um ataque homofóbico dentro de um bar que estava com seu namorado.
Um grupo de cerca de dez homens o cercou e começou a ofendê-lo e assediá-lo. Câmeras de segurança registraram todo o ocorrido.
Felippe Canale registrou uma ocorrência na polícia de Melbourne e buscou seus direitos legais contra o bar.
O que eu quero mesmo é levar essa mensagem adiante para que as pessoas não se calem e denunciem. Todos nós temos direitos iguais
O jornalista brasileiro recebeu um pedido de desculpas oficial do bar e uma quantia em dinheiro que foi doada a uma ONG LGBTQ+ de sua escolha.
Além disso, toda a equipe do bar em questão foi obrigada a passar por um treinamento específico relativo a como reagir em casos como este e como melhor atender às vítimas.
Confira abaixo, na íntegra, a entrevista de Felippe Canale à SBS Portuguese:

Pedido de desculpas oficial emitido pelo bar, em Melbourne, onde Felippe Canale foi vítima de homofobia. Source: Supplied
SBS – Na época do ocorrido, você deu uma entrevista para a nossa colega Luciana Fraguas contando como foi a noite em que você foi vítima de homofobia.
Felippe Canale – Em outubro de 2019 eu dei essa entrevista para a Luciana Fraguas contando minha história. Assim que aconteceu o incidente no bar, eu saí de lá e fui direto para a delegacia para registrar um boletim de ocorrência. É muito importante dizer que eu fui muito bem tratado e recebido na delegacia. A polícia sempre incentiva que a vítima faça a denúncia formalmente para que eles possam tomar as atitudes legais cabíveis.
SBS – Felippe, conte para a gente o que aconteceu exatamente no dia do incidente.
Felippe Canale – Eu cheguei por volta das sete horas da noite com meu namorado nesse bar e estava bem lotado. Assim que eu fui pegar minha primeira bebida no bar eu fui cercado por mais ou menos dez homens que começaram a rir de mim. Eles perguntaram de onde eu era e eu disse que era brasileiro. Eles então me perguntaram se eu era “fag”. Esse é um termo muito pejorativo em inglês que significa “viado”. Eu expliquei para eles que esse era um termo extremamente pejorativo e que o correto era “homessexual”.
Logo depois um dos homens tocou minha genital e no mesmo momento eu fiz um escândalo no bar dizendo que não o havia autorizado a me tocar. E que isso era uma ofensa muito grave. Eles ficaram intimidados e surpresos com minha atitude, já que a vítima raramente consegue ter reação na hora. Por sorte, tinham câmeras de segurança no bar.
Na mesma hora eu fui procurar os seguranças do bar e eles me disseram que como estavam apenas em dois seguranças e a quantidade de pessoas era maior do que eles poderiam dar conta, não havia nada o que eles pudessem fazer. O bar negou chamar a polícia na hora para resolver o assunto e me pediu que eu fosse embora, já que os homens estavam muito bêbados.
SBS – E como foi que você recebeu um pedido oficial de desculpas do bar?
Felippe Canale – O processo todo demorou um ano. O incidente foi em outubro de 2019 e somente depois de três meses que eu fiquei sabendo do que eu poderia fazer. Eu fui orientado a procurer o Saint Kilda Legal Service. Para quem não sabe, esse é um local que oferece orientação e até representação jurídica gratuita. O advogado de lá me orientou a entrar com um processo no Victorian Equal Opportunity and Human Rights Commission. Esse é um local em que você pode fazer um acordo com a empresa com a qual você está indo contra.
SBS – Você então não entrou com um processo contra as pessoas que o agrediram, mas sim contra o bar?
Felippe Canale – Sim, contra o bar. Por conta de tudo o que aconteceu eu achei que eles não souberam lidar bem com a situação.
SBS – O que você sentiu nessa noite?
Felippe Canale – Muita surpresa. Você nunca imagina que isso vai acontecer em Melbourne, na Austrália. No Brasil era muito recorrente, eu posso dizer que quase toda a semana eu passava por uma situação do homofobia.
Na Austrália, eu passei três vezes por situação de homofobia. Uma em Brisbane, eu estava andando com meu namorado na rua e uma pessoa me deu um soco no meu ombro do nada. Outra foi em Melbourne, quando eu estava passando em frente a um bar e um homem gritou: “Hey Fag” (“viado”). Os amigos desse homem me pediram desculpas e disseram que esse homem era brasileiro novo na Austrália. Ele me pediu desculpas e o gerente do bar pediu para ele se retirar.
E nessa teceira vez que fui vítima de homofobia eu decidi buscar os meus direitos por acreditar nas leis australianas e deu tudo certo. O bar em questão nunca negou o ocorrido. No dia seguinte a gerente me ligou para pedir desculpas. Isso tudo para mim foi uma grande vitória.
SBS – Além do pedido oficial de desculpas você também recebeu uma quantia em dinheiro?
Felippe Canale – Sim. Eu e meu advogado pedimos um pedido oficial de desculpas, um treinamento de como agir em caso de violência/assédio sexual para a equipe do bar, e também uma quantia em dinheiro que eu pedi para ser doada diretamente para uma ONG que trabalha com vítimas de assédio sexual.
SBS – Qual a mensagem que fica para quem for vítima de homofobia na Austrália?
Felippe Canale – O meu conselho e o da polícia daqui de Victoria é sempre procurar a polícia para registrar um boletim de ocorrência. Verifique se o lugar em que você está tem câmeras de segurança. Vá atrás dos seus direitos e procure por um centro legal gratuito, caso não possa pagar um advogado. Mas nunca se cale, sempre denuncie.
SBS – Para encerrar, qual foi a sensação de receber a notícia de ter ganhado o caso?
Felippe Canale – Foi uma sensação muito boa de virar a página. Eu fui atrás dos meus direitos, o país me apoia.
Desde 2000, o estado de Victoria proíbe a discriminação baseada em orientação sexual. Casais do mesmo sexo podem adotar filhos desde 2016. O casamento entre casais do mesmo sexo é permitido desde 2017.
Se você é homofóbico, a Austrália não é lugar para você.
É claro que homofobia ainda existe, mas quando você denuncia quase todos os casos acabam em vitória, caso consiga comprovar a discriminação. O que eu quero mesmo é levar essa mensagem adiante para que as pessoas não se calem e denunciem. Todos nós temos direitos iguais.
Nós que somos da comunidade LGBTQI nós não queremos direitos a mais. Nós queremos o direito de andar na rua e demonstrar carinho pelo parceiro. Queremos os mesmos direitos que os héteros já tem. Igualdade.
Produção e reportagem: Beatriz Wagner
Artigo online: Jason Mathias