“Ulisses” de James Joyce faz, este mês, 100 anos

young woman sitting on grassing in the park reading book

Book suggestions to read over the holidays. Source: Moment RF / Getty Images

Fez no primeiro dia deste mês um século, 1 de fevereiro de 1922, dia de grande frenesim numa tipografia, a Darrantiére, em Dijon, 300 kms para sueste de Paris. Não paravam de chegar telegramas e telefonemas – o telefonema daquele tempo era uma operação especial - nervosismo de um escritor irlandês que a todo o custo queria garantir que um livro dele - “Ulisses”, no dia seguinte, estava impresso e disponível em Paris.


A editora era uma americana, Sylvia Beach, proprietária de uma mescla de livraria e biblioteca que se tornou lendária em Paris: a Shakespeare and Company, frequentada por vanguardas literárias. Ela tinha ousado editar um livro que tinha começado a ser publicado em folhetim numa revista americana, mas que tinha sido proibido nos Estados Unidos por alegada obscenidade (no relato de uma masturbação).

A livreira americana de Paris foi ousada – assim foi sempre - e assumiu o encargo de publicar o livro. Entregou as tarefas tipográficas (composição e impressão) à Imprimerie Darrantiére, em Dijon.

Problema: ninguém na tipografia sabia inglês; o livro, com quase 800 páginas, estava escrito em inglês e o escritor – era (compreende-se) de exigência absoluta com o rigor na composição tipográfica do texto.

Fez emendas e correções sem fim, e tudo sob alta pressão, porque este escritor era muito supersticioso. E fazia questão de ter o livro publicado e disponível no dia 2 do 2 de 1922

Ele tinha nascido em 2 do 2 (2 de fevereiro) de 1882. E este livro – teria de aparecer naquele dia, o 2 de fevereiro de há 100 anos. O tipógrafo da Darrantiére teve de contratar ajudantes extra para concluir a tarefa dentro do prazo e, de facto, na noite daquele 1 de fevereiro de há um século entregou em mão ao revisor do comboio expresso da noite Dijon, Paris, um pacote com os primeiros exemplares daquele livro.

O comboio chegou a Paris às 6 da manhã e a essa hora, ansiosa, lá estava para receber a prodigiosa encomenda a editora e livreira Sylvia Beach que depois de passar pela livraria - na Rue de Odéon - foi logo a casa do escritor entregar aquele tão desejado – tão trabalhoso livro de capa azul.

O escritor, que naquele dia celebrava 40 anos de idade, é o irlandês James Joyce. O livro é o romance que se tornou obra de culto e reconhecido como o mais notável em toda a criação do século 20. Tem o nome de uma outra obra-prima, a de Homero: Ulisses. Então, Homero contou a epopeia do homem no século oitavo AC ao atravessar o Mediterrâneo, lutando contra adversidades de todo o tipo, até regressar a casa.

Joyce escolheu o mesmo título - “Ulisses”, para contar a epopeia de um contemporâneo do século XX: superar um dia numa cidade, a dele, Dublin, e voltar a casa. É a caminhada do andrógino Leopold Bloom e o monólogo interior (dele) ao longo de 18 horas, a lutar contra os próprios demónios (num tempo em que Dublin tinha uns 4 mil pubs), tudo contado num labirinto narrativo, pensado palavra a palavra, e que o escritor, Joyce demorou 7 anos a escrever.

Resultou uma obra-prima, complexa – que pede leitura e releitura. Fundem-se o sublime da linguagem escrita e da história. Joyce conta os mais vulgares detalhes em estilo transcendente, ainda que em modo que alguns dizem ser impenetrável. No último capítulo, Penélope é uma Penélope infiel, coisa que o marido, o nada machista Leopold assume em modo magnânimo. Mas há quem veja no relato obscenidade e até pornografia. Este Ulisses – de Joyce - celebra neste fevereiro um século de publicação e o impacto continua a ser universal.

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