Fevereiro 1942: Tropas japonesas, cerca de 1500 homens, iniciam assalto a Timor

invasão japonesa em timor

A aldeia timorense de Mindelo (Turiscai) é incendiada por soldados australianos para impedir seu uso como base japonesa, 12 de dezembro de 1942 Source: wikimedia commons

A Guerra do Pacífico como uma das frentes da segunda Grande Guerra Mundial tinha começado 10 semanas antes, em 7 de dezembro de 1941, com o infame (assim ficou conhecido) ataque japonês a Pearl Harbour, no Hawai, tambem à ilha de Midway. Naquele dia, a mais sofisticada vanguarda da frota naval americana naufragava perante o fogo incessante de 350 caça-bombardeiros nipónicos em ataque surpresa.


É esse dia 7 de dezembro, aquele em que o império japonês concretiza a resposta à solicitação que Adolf Hitler lhe fizera 5 meses antes para se juntar à guerra, a II Grande Guerra contra os Aliados encabeçados pelo Reino Unido e, logo a seguir, pelos Estados Unidos da América.

O ataque do Japão militarista do general Tojo, sem aviso prévio, a Pearl Harbour, portanto ao colosso americano, deixou o mundo estupefacto. A América, a grande potência que estava adormecida com o presidente Roosevelt à espera de pretexto para mobilizar a opinião pública americana e se envolver na guerra contra o terrivel regime nazi de Hitler que ameaçava o mundo inteiro, passaria assim a assumir o comando da resposta a Hitler e a libertação dos países ocupados.
Memorial de Dare Timor
Trecho do Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor. Source: Memorial de Dare
A América nunca mais pararia na batalha pela liberdade na II GG, mas à custa de milhões de vidas perdidas e destruição sem precedentes, paisagem desoladora, em mais 4 anos de guerra. Uma catástrofe mundial desencadeada pela Alemanha de Hitler, seguida pela Itália de Mussolini e pelo Japão de Tojo que já estava em guerra com a China.

A expansão nipónica foi fulminante. Logo no dia seguinte à devastação em Pearl Harbour, tomaram a ilha e base americana de Guam, e o exército japonês invadiu a Tailândia e a Malásia, também o território de Hong-Kong.

Nesse mesmo dia seguinte a Pearl Harbour sucederam-se declarações de guerra: do Japão aos Estados Unidos da América e ao Reino Unido e recíproco, destes países ao Japão.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor. Source: Memorial Dare
Também a Austrália, alinhada com os aliados, declarou guerra ao Japão.  

A II Grande Guerra Mundial entrava na fase mais violenta, mais cruel, mais desoladora e com máxima calamidade.

O império nipónico pretendeu tomar todas as colónias europeias na Ásia.

No começo de fevereiro de 42 a tropa japonesa ocupou Singapura e logo a seguir Bali.

Para os japoneses, a Austrália era um principal alvo seguinte. Bastava olhar o mapa para ficar evidente que a Ilha de Timor era um mega-porta-aviões, uma formidável base para esse objetivo.

Três meses antes de Pearl Harbour a Austrália já tinha alertado para o risco de Timor – aliás a partir de um cenário que era o de as tropas nazis, na avançada pela europa, ocuparem Portugal, por conseguinte assumirem o comando de Timor.

Recorro aqui para o relato a um documento precioso para a compreensão de tudo o que envolve a batalha do Pacífico e a brutal invasão nipónica de Timor.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor. Source: Memorial de Dare
É o excelente catálogo de uma exposição organizada no Café Museu de Dare, lugar da montanha com vista magnífica sobre Dili e o mar, uma exposição que se junta ao Memorial de Timor na II Grande Guerra Mundial.

É uma exposição que teve o apoio do governo e das forças de defesa da Austrália, do Australian War Memorial e, entre outros, do Arquivo Museu da Resistência de Timor.

Aliás, uma fundadora deste museu, a arquiteta Tania Bettencourt Correia, conduziu a equipa que produziu este – já o disse – precioso catálogo com cronologia minuciosa de todos os acontecimentos.

Nesta cronologia é contado que em agosto de 1941foi elaborado pelos Serviços de Defesa Australianos um relatório que aponta no sentido de se “assegurar um maior controlo sobre o Timor Português de modo a conter a influência japonesa”. O relatório informa que em caso de invasão de Portugal pela Alemanha, existia uma organização pró-britânica em Díli disposta a intervir.

O relatório nomeia como membros dessa organização um grupo alargado de portugueses e timorenses entre os quais Cal Brandão, Tenente Pires (Administrador de Baucau), o chefe de posto de Laga Augusto Leal Matos e Silva, o Tenente Liberato, o chefe de posto José Tinoco, o médico José Correia Velez, o cabo Agapito e o cabo Moreira.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor. Source: Memorial de Dare
Houve, portanto, tentativa de medidas defensivas. Mas a ofensiva japonesa foi imparável. Voltamos à cronologia no catálogo:

19 de fevereiro de 42

“Darwin na Austrália é massivamente atacada por bombardeiros japoneses. De Díli David Ross, reporta por telégrafo, com o auxilio de Patrício Luz (funcionário dos correios) a iminente chegada dos navios japoneses a Timor-Leste”.

(é de acrescentar que este ataque japonês a Darwin teve violência devastadora – terá causado ainda mais vítimas do que o massacre em Pearl Harbour – mas este tem o impacto de ter sido o detonador da guerra do Pacifico)

Dia seguinte, 20 de fevereiro de 42

“Tropas japonesas desembarcam em Díli e ocupam a cidade depois de se depararem com alguma resistência das tropas aliadas, entre as quais a comandada pelo Major Spencer. Simultaneamente as tropas japonesas desembarcam em Kupang, Timor Ocidental, onde a Força Sparrow oferece resistência durante cinco dias, vindo esta no entanto a ser cercada e em grande parte a render-se”.

Duas semanas depois, 9 de Março de 42

“Juntam-se às tropas aliadas em Timor-Leste, cerca de 200 elementos da Força Sparrow que haviam escapado de Timor Ocidental. São comandadas pelo Brigadeiro Veale, comandante das forças aliadas na ilha de Timor; As tropas aliadas, incluindo a Sparrow , contam com 300 homens que com o apoio de alguns timorenses e portugueses desencadeiam, a partir das montanhas da zona Oeste, uma eficaz guerra de guerrilha contra os japoneses”.

É assim que a martirizada ilha de Timor se torna o único território sob administração portuguesa a resistir à invasão das forças do Eixo (Alemanha/Japão) mas também a sofrer em toda a dimensão militar o sofrimento da II Grande Guerra Mundial

Há histórias terríveis, dramáticas e muitos heróis. Um deles é o tenente Pires, administrador de Baucau.

É em torno da história dele que se desenvolve a série produzida pela televisão pública portuguesa e realizada por Francisco Manso, com 7 episódios com 45 minutos cada. Título genérico da série: 'Abadonados'. 

A série trata, a partir do muito tocante diário do tenente Pires, o relato de episódios da Segunda Grande Guerra  em Timor, necessariamente também na Austrália. 

O protagonista, o tenente português Manuel de Jesus Pires chegou a Timor em 1919, Foi nomeado administrador de Baucau. Era homem de fazer amigos, integrou-se depressa na comunidade local, criou muitos laços de amizade designadamente com chefes locais.

Casou-se com uma timorense, Domingas Pires, que estava grávida quando os ocupantes japoneses entraram de modo selvagem em Baucau.

O tenente Pires tinha recebido por telégrafo, de Lisboa, ordens do governo do ditador Salazar, que declarara Portugal país neutro na guerra, ordens para estrita neutralidade.

Mas, perante a sucessão de crimes e chacinas a que assiste, o tenente Pires, administrador de Baucau, entende que não pode ficar parado, de braços cruzados, a ver a brutalidade praticada pelos ocupantes.

Junta-se aos australianos que estão em Baucau e trata de organizar a retirada dali do máximo número de pessoas: portugueses e timorenses a par dos australianos.

Consegue. Na primeira evacuação marítima, em janeiro de 43, 54 pessoas, sobretudo mulheres e crianças. A violência tornara-se imparável – neste caso em Baucau – como por toda a parte.

Em fevereiro de 43 o tenente Pires consegue, com mais 27 pessoas ser evacuado num submarino que os transportou para a Austrália.

Pires acreditava que a partir da Austrália conseguiria organizar socorro para os tantos que continuavam a sofrer em Baucau.

A bordo do submarino que numa viagem de uma semana o leva para Darwin, Pires escreve que “as insónias continuam” a não o largar por não lhe sair do pensamento o que estará a passar-se em Timor com todos aqueles que  “sabem que só através de mim (dele, tenente Pires) pode vir salvação”

É uma aflição que, escreve ele “lhe tira a vontade de dormir de comer e que o deixa doente por saber que cada hora que passa mais e mais se aperta o círculo de ferro que rodeia os que estão a sofrer em Timor”

Chegado à Austrália, o tenente Pires escreve a quem julga poder ajudar.

Escreve uma carta dramática ao general americano MacArthur, ao politico brasileiro líder de direitos civis Getúlio Vargas, também ao chefe do governo português que continuaria a ser por muito tempo Salazar.

Mas sem resultados práticos.

Cada vez mais angustiado, Pires decide em julho de 43 regressar a Timor e juntar-se à resistência aos invasores japoneses. Integra grupos com timorenses, australianos e portugueses.

Num confronto com tropas japonesas veio a ser ferido numa perna, ficou imobilizado, foi capturado e morreu numa prisão japonesa.

A história do tenente Pires é fio condutor da série 'Abandonados', 7 episódios de 45 minutos, realização de Francisco Manso, história de tantas pessoas que o governo da ditadura de Salazar deixou abandonadas ao destino em Timor-Leste. A narração é também inspirada nos estudos pioneiros de António Monteiro Cardoso sobre Timor na Segunda Grande Guerra.

Há um episódio ligado à produção deste filme. Há pouco mais de 2 anos, o realizador Francisco Manso esteve em Timor a reconhecer lugares a filmar. Foi com Ana Gomes e também com o agora falecido bispo dom Basilio do Nascimento.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor.
Catálogo do Memorial de Dare sobre a invasão japonesa a Timor. Source: Memorial de Dare
Foi a própria Ana Gomes, a contar-nos, no final da homenagem promovida no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa ao Bispo de Baucau uma semana depois da morte, a contar-nos o modo como D. Basílio os guiou por esses lugares da guerra.

A série há-de homenagear D.Basílio, mas ele já não vai poder participar no elenco.

Teria de estar obviamente no lado dos homens bons lutadores como ele sempre foi – sempre com um sorriso carinhoso, de pessoa generosa.

Voltando à realidade histórica

Dois dados:

  • O recenseamento feito em timor já em 1946, portanto depois do fim da guerra, evidencia que durante o tempo de conflito houve mais de 40 mil mortes, seja por consequência direta da guerra, seja pelas consequências em fome e doenças. Esses 3 anos de guerra implicaram para timor perda demográfica de 10% em relação ah população registada antes da guerra (450 mil pessoas).
  • Dado final: a resistência timorense às tropas nipónicas levou a que o Japão mantivesse no território toda uma divisão militar. Foram 5 mil homens que assim não reforçaram grupos de ataque sobre outros alvos – designadamente sobre a Nova Guiné . Aliás, também a Australia. Timor foi assim, naquele tempo, uma espécie tampão protetor da Austrália e de toda a vizinhança.
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